Que considerações importantes eu deveria fazer hoje?! Eu deveria fazer várias, se eu pudesse. Os pensamentos me vem e me fogem, as frases se formam e depois derretem na dúvida entre escrever ou não.
Ontem confessei que já não podia escrever. Não sei por onde passeia minha inspiração. Meus fluxos de consciência solitários procuram por ela.
Eu ouço a música pra tentar chamar a poetisa, eu ouço também a canção da razão e então só sinto a angústia contornando o ventre. A angústia é muda, exceto pelos urros.
Quem sou pra querer gritar por todas as injustiças?! Minha pequenez traz-me de volta à angústia e como num ciclo ininterrupto eu vasculho o redor, eu encontro as minhas causas pra chorar, eu choro e reencontro nas lágrimas a estática, a impossibilidade, a angústia.
E o entorno de mim é dilacerante,
nem aqui nas proximidades posso atuar...
Quem dirá
nos entornos do mundo, da miséria, da ignorância que não só empobrece os bolsos, empobrece, de amor, o espírito!
Olhos que me olham, não podem me enxergar.
Eu estou aqui em mim, onde os olhos jamais poderão ver, na minha angústia que me cerca por perto, na angústia que me cerca nas estruturas de um mundo carente de graça e rico em pobreza humana, na pobreza humana, através da pobreza humana (Um mundo lá dos altos e poucos, longe dos baixos em baixo, na ponte).
Duas palavras
ouço a angústia sussurrar:
Justiça, liberdade.
Por ora, talvez seja só...entre outras palavras que ainda não são tais, são esboços de sussuros da angústia.
Samara Belchior (Num fluxo de consciência solitário e hermético)
Enquanto seu corpo trêmulo se arrasta preso na realidade, sua mente, lúcida, grita pela libertação. Ela reconhece a prisão, os horários a serem cumpridos, as normas, os limites, o que se pode ou não...Isso não existe. Existe a determinação e a aceitação. A necessidade força a aceitar, posto que a maioria aceita.
A mente deve enlouquecer em qualquer momento breve, é provável que não suporte a contradição. As coisas aos poucos deixam de fazer sentido, os sonhos deixam de existir, pois o ilusório foi convertido em fatalidade.
É tão claramente perceptível agora, que todas as capacidades humanas são desprezadas e como um objeto, o ser serve para pouca coisa, com função determinada.
As informações obtidas, os livros lidos, já não bastam. As coisas estão acontecendo e a teoria não lhes causou modificações. As palavras espalhadas pelas páginas já não contem significação; enquanto os olhos procuram verdade, sentido, uma mensagem, os órgãos do tórax, o estômago, as entranhas estabelecem movimentos repetidos e angustiantes. O corpo ofegante, irriquieto, palpitante quase se rasga ao meio como se pudesse libertar as vontades da alma para fora da abstração; cuspir moral, ética, respeito, igualdade, aceitação, completude, virtude, num jato único de transformação.
A constatação das coisas é grave, é lamacenta. Por isso os contos de fada. É tão simples esconder-se nos cantos fugidios da mente pois, uma vez do lado de fora, alma e corpo parecem se repelir, tornam-se incompatíveis. A alma já não deseja habitar a realidade corpórea sombria, almeja dela desfazer-se.
Não é poético observar o miserável e, não é belo compreender que é usurpada do ser a liberdade com que deveria nascer, sua alma a pressupôs mas o sistema exterior, as instituições malditamente criadas já lhe traçavam os passos.
Aquela louca alma que grita por verdade, que chama por libertação...pobre alma, está relegada à solidão, angustiante solidão.
Samara Belchior 18/03/2010.